sábado, 28 de dezembro de 2013

UTILIDADE E SIGINIFICADO



Assisti, recentemente no facebook, um vídeo do Padre Fábio de Melo, a quem admiro muito, em que ele aborda de maneira ímpar o assunto envelhecer. Achei inspiradora sua explicação sobre a beleza da inutilidade na velhice: “... só nos ama, só vai ficar até o fim aquele que, depois da nossa utilidade, descobriu o nosso significado”.
Coincidentemente, estava lendo por esses mesmos dias o livro “A Filosofia Perene”, do filósofo Aldous Huxley, e encontrei um texto creditado ao frade domenicano Eckhart de Hochheim que dizia o que se segue: “Deve amar a Deus como não Deus, não Espírito, não pessoa, não imagem; deve amá-lo como é, o puro Um absoluto, separado de toda dualidade e em quem devemos eternamente nos fundirmos de nada em nada”.
Inevitavelmente, essas duas fontes de inspiração se juntaram para criar conjecturas em minha cabeça. As três religiões fundamentais do Ocidente são teístas e dentro dessa pessoalidade vislumbrada de Deus parece prevalecer a concepção de Sua utilidade. Deus é aquele que nos conforta em nossa dor, aquele que nos redime com seu perdão, aquele que nos salva de nossas falhas, aquele que nos atende com seus milagres, aquele que nos guia em nossa falta de luz. Em todos os casos, Ele nos é útil.
Mas existe a concepção deísta do Criador, muito mais comum entre os orientais e algumas comunidades primitivas. Nessa forma de enxergá-Lo, aceita-se apenas que é um princípio criador e que determinou as regras da existência, não tendo nenhuma participação ou utilidade pessoal no momento presente. O deísmo parece compreendê-Lo muito mais como essência e significado do que como utilidade.
Então me pergunto: Será que nossa concepção teísta não nos leva a amar a Deus muito mais por sua utilidade do que por seu significado? Será que a concepção deísta não se aproxima mais da verdadeira compreensão sobre o Criador? Será que nossa adoração teísta não é a adoração de quem necessita dele em suas preces ou em alguma circunstância de nosso dia-a-dia? Será que não está na hora de nós, ocidentais, buscarmos uma melhor compreensão sobre a mística deísta da divindade no âmago de cada ser, sem a necessidade do Deus externo, que nos julga, pune ou premia? E, por fim, será que nossa concepção teísta será capaz, um dia, de amá-Lo em sua inutilidade, sem preces, pedidos, milagres, agradecimentos, promessas, lamentos ou culpa? Amá-Lo apenas em e por sua essência?

Autor: Alex Francisco Paschoalini
Reativando, ao menos temporariamente, o blog do Centro Elemental.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

DEUS SEGUNDO SPINOZA

"Pára de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno. Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti."

Baruch Spinoza, filósofo holandês do século XVII